Quer saber de
uma coisa? Todo mundo tem medo, uns têm medinhos, outros medões, mas no fundo
tudo é medo puro e simples. Sentimos medo de manhã, às vezes à tarde e muito
mais à noite, não necessariamente nessa ordem. Medo de não ver o pôr do sol, de
não poder ir à praia no domingo, de jogar a bola para fora do gol, da areia
quente, de que o chope esquente ou a onda se arrebente. Medo de cair, de sair,
de se divertir, da felicidade, da fatalidade, da bala perdida, da fome, de ter
e de perder, seja lá o que for! Medo de
trair e ser traído, de perder o grande amor, de amar e não ser amado, de dizer
adeus, de partir, de mudar, de renovar, de dizer eu te amo! Medo de bruxa, do
escuro, do bicho-papão, do vento, da ventania, do relâmpago e do trovão. Medo
da morte: a sua, a do seu amigo, a do seu filho e a dos seus pais. Medo de
esquecer o que foi bom, de enlouquecer, de não viver, do prazer, de querer
sempre mais e nunca mais parar de querer. Medo do terror, dos terroristas, dos
que manipulam os horrores humanos, dos que adoram o poder, de não poder com
esse tipo de gente. Medo de envelhecer, das rugas, dos cabelos brancos, da
osteoporose, da menopausa, da calvície, de virar pó e da certeza de que a vida
é uma só. Medo de experimentar coisas novas, umas melhores e outras piores, mas
o que vale é o movimento, somente o que está morto não se move. Medo de olhar
no espelho, do fracasso, da decadência, da não reação, do marasmo, da
acomodação. Medo de falar a verdade, de não ter verdades pelas quais lutar, de
magoar, de brigar, de perdoar. Medo de não ter o filho desejado, de não vê-lo
crescer, de vê-lo adoecer, de não vê-lo feliz. Medo do chefe que grita, que não
elogia, que não explica, que não brinca, que só xinga, que assedia. Medo da
solidão, da rejeição, do telefone que não toca, da palavra não dita, do “mico”
não pago, da alucinação da paixão, do beijo não roubado, da dor do amor não
correspondido, das velas não apagadas, do grito não ecoado depois do sexo em
perfeita comunhão. Medo da diferença, da indiferença, da arrogância, do
desprezo, da ignorância, do preconceito, do politicamente correto, do jeitinho
brasileiro, da corrupção, da inflação, da humilhação, da falta de
profissionalismo dos políticos, da inveja, da tristeza, das escolhas, do seu
corpo, do passado, do presente e do futuro. Medo de gastrite, otite, sinusite,
faringite, meningite, hepatite, celulite e tudo o que é “ite”. Medo da
responsabilidade, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, do recomeço, de
cantar, de dançar, das crenças, das encrencas, de dar e receber opinião, de ter
voz e voto, de não ter voz e voto, de aturar gente de má índole, de má vontade
e sem educação. Medo de casar, de se divorciar, de casar de novo, de não poder
mais voltar. Medo de se perder, de endurecer o coração, de não sonhar e de
nunca mais se achar. Medo de errar, de não ter o que dizer, de falar demais, de
se calar diante da covardia, de engolir o choro da emoção, de não crer e não
ter fé em Deus, em si e na vida. Medo da enchente, de não gostar de gente, do
ladrão, de não ser o único e virar nenhum na multidão. Medo de pensar “inho” e
acabar tendo uma vidinha cercada de gentinha, de perder o emprego, de nunca
mudar de emprego por puro medo da mudança, medo da mediocridade e da maldade. Medo
da ditadura, do neoliberalismo, do comunismo, do nazismo, do radicalismo, da
guerra, da bomba de Hiroshima, de Nagasaki, do tsunami, do Katrina, do
terremoto, da chacina, da rebelião, do vandalismo, da escravidão, da
sofreguidão, da falta de poesia, da realidade nua e crua. E, por fim, o medo de
não ter coragem para enfrentar tudo isso, mesmo que isso não tenha fim...
Autora: Ana Beatriz Barbosa Silva